O improviso e o Jazz


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O preconceito é danoso. Todos concordam com isso, mas, em música (como em qualquer manifestação artística), as pessoas não se importam em ser preconceituosas. Podemos ter preferências, mas devemos estar prontos para o futuro.


Existe uma tendência natural de nossa sociedade para rótulos. Temos carros de passeio, de esporte, utilitários; trajes de verão, de inverno e de meia-estação; cozinha brasileira, internacional e italiana. E assim por diante. Alguns desses rótulos são mais “explicações” do que propriamente uma “rotulação”, mas todos buscam enquadrar um determinado assunto.


Mas, e a música? Será que ela pode ser enquadrada? De certa forma pode. Clássico, rock e jazz são definições claras. Até surgirem o rock progressivo, o jazz rock e o samba reagge, que embaralham qualquer definição. Muitos artistas se colocam num limite muito estreito, a um milímetro de tudo… ou nada.


Quando Miles Davis lançou Bitches Brew, o mundo, literalmente, não entendeu nada. Muitos críticos, senão todos, arrasaram o disco.

Quando ele gravou Man With The Horn após um longo período afastado, foi um novo susto. No seu último disco, Doo Bop (lançado postumamente em 1992), ele fundia rap e jazz. Miles deixou de ser um jazzman? Picasso deixou de ser um pintor quando aderiu ao cubismo?

Picasso não deixou de ser pintor, da mesma forma que Miles não abandonou o jazz. Os dois são indiscutíveis gênios e, como tal, romperam com suas respectivas tradições, mas nunca com sua essência. Por mais que os puristas (ou os ortodoxos) odeiem, o jazz não é uma arte folclórica, que possa ser estudada com início-meio- fim. Ele está vivo e sua evolução é a maior prova disso.


A alma do jazz

Na abertura do programa Free Jazz, há alguns anos, Nelson Motta disse que o charme do gênero era a improvisação. Mas não é bem assim: improvisação é a alma do jazz.

Existem muitos métodos que ensinam como improvisar, mas o bom improviso depende unicamente do artista e nunca de regras. Pode ser uma única nota ou uma cascata de notas, mas só o verdadeiro jazzman sabe como, quando e onde colocá-las. E esta é a grande diferença. Tanto no rock quanto no clássico, existem grandes solistas, mas pouquíssimos improvisadores.

A Fantasia clássica era inicialmente (no século XVI) uma composição instrumental que adotava a estrutura do ricercare (do italiano “procurar, inventar”), mas que foi abandonada posteriormente (século XVIII), transformando-se em “uma espécie de sonata de construção menos rígida”.


No rock, ouvimos muitos solos, mas pouquíssimos são improvisados. Basta compararmos com as gravações ao vivo. Poucos músicos se arriscam a alterar seus solos, e esta é a palavra chave: arriscar.


Improvisar é “não saber qual a nota seguinte”. Durante o improviso o músico entra em uma espécie de “estado de graça”. Só ele e sua música. Nem mais seu instrumento está lá, visto que este é apenas isso: um instrumento para o momento maior.

Certos músicos improvisam como se passeassem no parque (Bill Evans – piano, Philippe Catherine – guitarra, Paul Desmond – sax alto); outros parecem duelar com o diabo (Jeremy Steig- flauta, Clifford Brown – trumpete, Michael Camilo – piano) e ainda os que “conversam” com seus instrumentos (Oscar Peterson – piano, Jim Hall – guitarra). Mas todos tem em comum o fato de criarem algo inteiramente novo cada vez que tocam uma música.

O jazz não é uma arte estática (nenhuma arte pode ser, mas a música é a que mais sofre com os rótulos). Ele assume suas influências e mistura-se sem a menor cerimônia. Duke Ellington, Miles Davis, Dizzy Gillespie, Ornette Coleman e outros nos mostraram o caminho. Traditional, New Orleans, be-bop, cool, free-jazz, jazz-sinfônico, latin-jazz, jazz-rock, world jazz, acid-jazz, não importa o nome. Existe jazz para todos e para todos os gostos.


Alex Saba
Tecladista, guitarrista, percussionista, compositor, arranjador e produtor com quatro discos instrumentais solo e um disco ao vivo com sua banda Hora do Rush, lançados no exterior pelo selo Brancaleone Records. Produziu e dirigiu programas para o canal TVU no Rio de Janeiro e compôs trilhas para esses programas com o grupo Poly6, formado por 6 tecladistas/compositores. Foi colunista do site Baguete Diário e da revista Teclado e Áudio. www.alexsaba.com.br


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