Alexandre Dias, fundador e pesquisador do Instituto Piano Brasileiro, fala sobre as dificuldades em preservar a tradição do instrumento no Brasil e os caminhos que o levaram a esse desafio
Resgatar e preservar a memória da música brasileira, com especial enfoque no piano: esse é o objetivo do Instituto Piano Brasileiro e, mais precisamente, de seu criador, Alexandre Dias. Pianista de técnica apurada com formação erudita e apaixonado pela história do instrumento no Brasil, o músico e pesquisador conta aqui um pouco de sua vivência e de seus desafios para construir uma grande fonte de referência sobre as ricas tradições pianísticas brasileiras em suas diversas esferas, tanto erudita quanto popular, desde o século 19 até hoje.
Como foi sua formação musical?
Comecei estudando piano na infância e fui capturado desde cedo pela enorme riqueza da música brasileira, que me causou grande impacto. Não somente a música brasileira, mas o universo do piano brasileiro, ou seja, todos os nossos pianistas. Aos 14 anos, comecei a pesquisar sobre Ernesto Nazareth, que é uma espécie de pai do piano brasileiro e também do choro.
O que te levou a isso?
É difícil estabelecer exatamente, mas me lembro de algumas coisas: como parte do curso de piano, eu já tinha ouvido outros alunos tocando Ernesto Nazareth e, eventualmente, fui estudar suas obras também. Lembro que, na época, só existia um álbum de partituras dele, da Editora Fermata, antiga Casa Arthur Napoleão. Para um estudante iniciante, Nazareth é muito difícil, mas mesmo aquilo que estava além do meu nível naquele momento me atraía, me causava grande interesse. Eu tinha vontade de tocar aquilo. Não sei explicar exatamente, mas o ritmo, a melodia muito inovadora, as harmonias deliciosas, os contrapontos na mão esquerda, os baixos sempre inteligentes, isso tudo vai criando uma obra muito sedutora. Mais ou menos em 1998, conheci um CD lançado pela Kuarup, Sempre Nazareth, que ganhei de presente, interpretado pela pianista Maria Teresa Madeira, pelo Pedro Amorim no bandolim e Oscar Bolão na percussão. E aquilo consolidou de vez meu amor por Ernesto Nazareth. Fiquei enlouquecido com a música dele. Tenho espírito de colecionador também. Então, passei a tentar reunir todas as gravações possíveis dele. Isso com mais ou menos 14 anos. Uma coisa vai puxando a outra, estimulando. Comecei a pesquisar fortemente o choro junto com o piano brasileiro. E o Nazareth, até hoje, é um tema de pesquisa muito forte para mim. Em algum momento, a coleção passou a crescer muito. Eu não sabia quantas gravações ia reunir, não fazia ideia de quantas existia e isso ainda não tinha sido feito. Havia apenas discografias parciais. Em algum momento, minha coleção chegou a 300, 500 gravações! E ia sempre aos sebos, olhava os LPs um por um, procurando quais faixas eram do Ernesto Nazareth. Ia à loja e comprava CDs, buscava na internet, naquela primitiva, da década de 1990 (risos). Ainda não tinha Youtube, nada disso. Fazia muitas trocas, buscava colecionadores de gerações passadas e pude conhecer grandes mestres. Me lembro que, com 17 anos, liguei para o professor Aloysio de Alencar Pinto, que tinha 91, e a gente pode estabelecer uma amizade. Ele compartilhou muito de seu conhecimento. Eu ficava fascinado, porque ele ouviu o Nazareth tocando. Era uma das poucas pessoas vivas que tinham conhecido Nazareth. Ele era de 1911 e pegou Nazareth tocando, acredito que na loja de partituras, na década de 1920. Isso foi crescendo e foi tentando estabelecer cada vez mais contato com colecionadores de discos. Fiz amizade com grandes pesquisadores de nossa música e foram surgindo gravações. Eu compartilhava isso com os amigos. Comecei a divulga que tinha essas gravações e a me preocupar também: o que eu ia fazer com essa coleção? Já passavam de duas mil gravações.
E como surgiram suas gravações da obra de Nazareth?
Nesse meio tempo, eu já estava avançando bastante no piano e passei a estudar mais a fundo a obra de Nazareth. Em 2007, comecei a gravar as obras dele, especificamente as obras raras dele, os Lado B. Fiz uma série para um site chamado Sovaco de Cobra, do José Carlos Cipriano. Eu gravava uma música por semana e escrevia um texto de pesquisa sobre ela, levantando histórico e as correlações com os temas ligados a ela etc. Gravei mais ou menos 70 músicas de Nazareth, muitas delas as primeiras gravações dessas obras. Isso começou a chamar a atenção de outras pessoas. Não se tinha certeza sobre a qualidade dessas músicas, mas várias das que gravei são verdadeiras obras-primas.
Disso veio o site sobre Ernesto Nazareth…
Isso começou a chamar a atenção. A Bia Paes Leme, coordenadora de música do Instituto Moreira Salles, o Paulo Aragão e o Pedro Aragão me convidaram para coordenar um site que seria feito em homenagem aos 150 anos do Nazareth, em 2013, mas nós começamos a trabalhar um ano antes, em 2012. E, finalmente, surgiu essa oportunidade incrível de toda a discografia que reuni do Nazareth ser disponibilizada online gratuitamente. E isso foi feito: um grande site com toda a obra de Nazareth em partituras, textos, fotos, imagens raras e a discografia completa. Antes disso, eu já havia revisado a obra integral dele para uma nova edição disponível no site ernestonazareth.com.br. Depois disso, em 2011, coordenei um projeto com o Wandrei Braga para resgatar a obra de Chiquinha Gonzaga. Fizemos uma nova editoração de tudo, mais de 300 partituras, a maior parte em manuscrito. Também foi uma parceria com o Instituto Moreira Salles e resgatamos a obra da Chiquinha que está no site chiquinhagonzaga.com.br.
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