Heitor Villa-Lobos: o retrato da alma brasileira


Compartilhe!

Reflexo da diversidade cultural do Brasil, o mais conhecido compositor do País é um dos mais importantes nomes da música de concerto do século 20


Após 65 anos de sua morte, Heitor Villa-Lobos continua sendo o mais respeitado e admirado compositor brasileiro em todo o mundo. Sua obra não se limita a um gênero ou estilo, mas é reflexo da diversidade cultural do Brasil, fundindo elementos da música erudita com a rica tradição musical popular brasileira. Sua carreira e legado são marcados por uma visão musical inovadora e uma constante busca pela identidade sonora do país.


Formação musical

Filho da dona-de-casa Noêmia e do funcionário da Biblioteca Nacional e músico amador Raul, Heitor Villa-Lobos nasceu no Rio de Janeiro, no bairro das Laranjeiras, em 5 de março de 1887, em uma família de origem modesta, mas com forte vínculo com as artes. Seu pai era fotógrafo e músico amador, e foi ele quem inicialmente incentivou o filho a seguir o caminho da música, apresentando-lhe o universo musical desde a infância e o obrigando a exigentes exercícios de percepção musical que incluíam o reconhecimento de gênero, estilo, caráter e origem de músicas, de notas musicais e ruídos. Acima de tudo, foi uma das primeiras pessoas a perceber o talento precoce do garoto para a música. Sua formação começou de maneira autodidata. A partir dos seis anos de idade, aprendeu, com o pai, a tocar clarinete e violoncelo. Em vez de um rigoroso sistema educacional formal, Heitor estudou violão, piano e composição por conta própria, e foi incentivado por músicos e professores a seguir carreira na música.

Nessa época, além da cidade do Rio de Janeiro, a família Villa-Lobos residiu em cidades do interior do Estado do Rio de Janeiro (Sapucaia) e de Minas Gerais (Cataguazes e Bicas), onde o pequeno músico conheceu as modas caipiras e os tocadores de viola, que formam parte do folclore musical brasileiro e que, mais tarde, vieram a se universalizar em suas obras.

Ao voltar ao Rio de Janeiro, o “choro”, música praticada nas ruas e praças da cidade, também passou a exercer sobre ele um atrativo especial. Tal interesse o levou a estudar violão escondido de seus pais, que não aprovavam sua aproximação com os autores daquele gênero, considerados marginais. Costumava juntar-se aos grupos de choro, tocando o instrumento em festas e serenatas. Conheceu músicos famosos como Catulo da Paixão Cearense, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e João Pernambuco. Aos 16 anos, Villa- Lobos começou a se apresentar em pequenas orquestras e a compor suas primeiras peças.


O interior do Brasil

Após sua formação inicial no Rio de Janeiro, Villa-Lobos passou por uma fase de intensa imersão na música popular brasileira, especialmente nas regiões mais distantes das grandes cidades. Em 1905, partiu em viagens pelo Brasil, visitando os Estados do Espírito Santo, da Bahia e de Pernambuco, passando temporadas em engenhos e fazendas do interior, em busca do folclore local. Em 1908, chegou à cidade de Paranaguá, no Estado do Paraná, permanecendo por dois anos, alternando entre tocar violoncelo para a alta sociedade local e violão para os jovens.

Entre 1910 e 1917, viajou extensivamente pelo Brasil, em particular pelo Norte e Nordeste, em busca de novas influências e inspiração. Nessas viagens, teve contato com músicos tradicionais e com o folclore brasileiro, absorvendo ritmos e melodias que viriam a se tornar fundamentais para sua obra. Durante esse período, Villa-Lobos também teve a oportunidade de conhecer e estudar os ritmos indígenas e as manifestações culturais africanas, que, somados ao repertório popular brasileiro, formaram uma base musical única e inovadora. Essas experiências, além de influenciar sua música, ajudaram a moldar sua visão da cultura brasileira como um elemento fundamental para a criação de uma identidade musical nacional. Ficou impressionado com os instrumentos musicais, as cantigas de roda e os repentistas. Segundo ele, foi nesse momento que conhece a Amazônia, o que teria marcado profundamente sua obra. Suas experiências resultaram, mais tarde, em “O Guia Prático”, uma coletânea de canções folclóricas destinadas à educação musical nas escolas. De volta ao Rio de Janeiro, conheceu a pianista Lucília Guimarães, com quem se casaria em 1913. Dois anos mais tarde, Villa-Lobos realizou o primeiro concerto com suas composições. Nessa época, já havia composto suas primeiras peças para violão, a “Suíte Popular Brasileira”, peças para música de câmara, sinfonias e os bailados “Amazonas” e “Uirapuru”. Ganhava a vida tocando violoncelo nas orquestras dos teatros e cinemas cariocas, ao mesmo tempo em que escrevia suas obras.


A ascensão

No início da década de 1920, Villa-Lobos começou a angariar reconhecimento nacional e internacional. Seu primeiro grande sucesso foi a série de composições chamadas Chôros, que reflete uma fusão inovadora entre a música erudita e a música popular brasileira. O Choro No. 1, composto em 1920, foi uma das primeiras peças a incorporar elementos desse estilo choro, uma das formas mais tradicionais da música brasileira, dentro de uma estrutura erudita. A crítica considerava seus concertos modernos demais, mas, à medida que se apresentava no Rio e em São Paulo, ganhava notoriedade. Ele se uniu ao grupo de artistas modernistas liderados por Mário de Andrade e Oswald de Andrade, que buscavam uma nova identidade para a cultura brasileira, rompendo com as influências europeias e valorizando o que era genuinamente brasileiro.

Na Semana de Arte Moderna de 1922, participou dos três espetáculos no Teatro Municipal de São Paulo, apresentando, entre outras obras, “Impressões da Vida Mundana”. O movimento modernista foi essencial para consolidar Villa-Lobos como uma figura central na música brasileira,promovendo a fusão entre as tradições populares e a música erudita. Já bastante conhecido no meio musical brasileiro, alguns de seus amigos começaram a incentivá-lo a ir à Europa, e apresentaram à Câmara dos Deputados um projeto para financiar sua ida a Paris. Em meio a protestos que condenavam a iniciativa, a proposta foi aprovada, e Villa-
Lobos, em 30 de junho de 1923, partiu para a França, auxiliado pelos irmãos Guinle, que se propuseram a subvencionar sua estada na Europa. Em Paris, sua música foi recebida com grande entusiasmo.

A viagem foi um marco em sua carreira, pois lhe permitiu se inserir no cenário musical europeu e estabelecer conexões com importantes compositores e músicos da época. Villa-Lobos começou a frequentar o ambiente artístico parisiense por meio de Tarsila do Amaral e de outros artistas plásticos brasileiros e, com o apoio do pianista Arthur Rubinstein e da soprano Vera Janacópulos, foi apresentado ao meio artístico parisiense. Suas apresentações fizeram sucesso e ele foi recebido por grandes nomes da música, como Darius Milhaud, Paul Claudel e os irmãos Matisse.

Durante essa fase, Villa-Lobos teve contato com as tendências vanguardistas da música contemporânea e levou sua própria obra a um público mais amplo. Apesar do apoio financeiro disponibilizado, e em função de um drástico corte no orçamento inicial solicitado, Villa-Lobos se viu forçado, no ano seguinte, a voltar ao Rio de Janeiro. Em 1927, voltou a Paris com sua esposa Lucília, para fazer novos concertos e iniciar negociações com o editor Max Eschig, ao qual foi apresentado quando de sua primeira visita à capital francesa. Na ocasião, fez mais amigos, e artistas como Magda Tagliaferro, Leopold Stokowski, Maurice Raskin, Edgar Varèse, Florent Schmitt e Arthur Honneger frequentaram sua casa e participaram das feijoadas dos domingos. A partir daí, Villa-Lobos conquista prestígio internacional, apresentando suas composições em recitais e regendo orquestras nas principais capitais europeias, causando forte impressão no público e provocando reações por suas ousadias musicais.

Três anos depois, no segundo semestrede 1930, Villa-Lobos foi convidado a retornar ao Brasil, para a realização de um concerto em São Paulo. Em 1931, reunindo representações de todas as classes sociais paulistas, organizou uma concentração orfeônica chamada “Exortação Cívica”, com a participação de cerca de 12 mil vozes. Preocupado com o descaso com que a música era tratada nas escolas brasileiras, acabou por apresentar um revolucionário plano de Educação Musical à Secretaria de Educação do Estado. Após dois anos de trabalho em São Paulo, Villa-Lobos foi convidado oficialmente por Anísio Teixeira, então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro, para organizar e dirigir a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA). A partir de então, a maioria de suas composições se voltou à educação musical.


O legado educacional


A contribuição de Villa-Lobos à educação musical brasileira foi imensa. A partir de 1932, ele foi nomeado diretor do Serviço de Difusão Cultural do Ministério da Educação e Saúde, o que lhe permitiu colocar em prática suas ideias sobre a democratização do ensino musical no Brasil. Foi responsável pela criação de várias escolas de música no Brasil e pelo estímulo a uma maior inclusão da música nas escolas públicas. Seu trabalho como educador e administrador cultural teve um impacto duradouro na formação de novas gerações de músicos no País. Como consequência de seu trabalho educativo, embarcou para a Europa, em 1936, como representante do Brasil no Congresso de Educação Musical em Praga, onde apresentou seu plano educacional, seguindo para Berlim, Paris e Barcelona. Escreveu à sua esposa Lucília pedindo a separação, e assumiu seu romance com Arminda Neves de Almeida, sua secretária, que se tornou sua companheira.

De volta ao Brasil, com o apoio do então presidente da República, Getúlio Vargas, organizou concentrações orfeônicas grandiosas que chegam a reunir, sob sua regência, até 40 mil escolares. Em 1942, criou o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, cujos objetivos eram formar candidatos ao magistério orfeônico nas escolas primárias e secundárias, estudar e elaborar diretrizes para o ensino do canto orfeônico no Brasil, promover trabalhos de musicologia brasileira e realizar gravações de discos, entre outros.

Em 1942, o maestro Leopold Stokowski – designado pelo presidente Roosevelt dos Estados Unidos para visitar o Brasil com a The American Youth Orchestra como parte da “política da boa vizinhança”, por conta da Segunda Guerra Mundial – solicitou a Villa Lobos que selecionasse os melhores músicos e sambistas, a fim de gravar a Coleção Brazilian Native Music. O compositor reuniu Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Cartola e outros, que, sob sua regência, realizaram apresentações e gravaram a coletânea. Apesar dessa resistência inicial, Villa-Lobos viajou aos Estados Unidos, em 1944, para reger as orquestras de Boston e de Nova York.

A partir de então, retornou para lá diversas vezes, onde regeu e gravou suas obras, recebendo homenagens e encomendas de novas partituras. Em 1945, fundou a Academia Brasileira de Música. Praticamente residindo nos Estados Unidos entre 1957 e 1959, realizou concertos em Roma, Lisboa, Paris e Jerusalém, além de marcar importante presença no cenário musical latino americano. Compôs “Floresta do Amazonas” para a trilha de um filme da Metro Goldwyn Mayer e retornou ao Brasil para as comemorações do aniversário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Com a saúde abalada, foi internado para tratamento e morreu de câncer em 17 de novembro de 1959.


Reconhecimento

Heitor Villa-Lobos nunca deixou de ser uma figura central na música brasileira, mas sua carreira também foi marcada por um crescente reconhecimento internacional. Ao longo de sua vida, viajou por diversos países, onde suas obras foram amplamente executadas e admiradas. Recebeu honrarias e prêmios de diversas instituições e governos, incluindo a Ordem do Mérito Cultural e várias comendas de prestígio em diferentes países. Nos últimos anos de sua vida, Villa-Lobos esteve envolvido em diversos projetos e apresentações, incluindo uma série de gravações que se tornaram marcos na música clássica mundial. No entanto, sua saúde começou a se deteriorar devido a uma série de problemas cardíacos, e ele faleceu no dia 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro, aos 72 anos.


O legado

Heitor Villa-Lobos deixou um legado profundo e duradouro na música brasileira e mundial. Sua fusão única de elementos eruditos e populares ajudou a criar uma identidade musical para o Brasil, que até hoje é celebrada por músicos e compositores de todo o mundo. Ele não apenas ajudou a consolidar a música clássica no Brasil, mas também trouxe à tona uma nova visão sobre a relação entre a música popular e a música erudita. Villa-Lobos conseguiu transmitir, em sua música, a essência da diversidade cultural do Brasil, sendo considerado um dos maiores compositores do século 20.

Quer saber tudo sobre os instrumentos de teclas e ficar por dentro de todas as novidades do mundo da música? Acesse a revista digital gratuita Teclas & Afins, clicando aqui!



Para ler a revista gratuitamente, faça login ou se cadastre!

Login de Usuários
   
Registro de Novo Usuário
*Campo obrigatório